Efeito batom: mulheres tendem a consumir mais produtos de beleza na crise
Silvia Ruiz
01/05/2020 04h00
iStock
Na última semana, depois de quase 45 dias de quarentena de cara lavada (e praticamente sempre de moletom e chinelo), pela primeira me deu vontade de colocar uma maquiagem. Nada demais, apenas um corretivo, blush e máscara para cílios (que é basicamente meu make do dia a dia).
Não sou das mulheres mais loucas por maquiagem, sou bem basicona, mas, por algum motivo, esse ritual de me enfeitar fez com que me sentisse bem. Estava justamente pensando sobre as razões de algo tão "bobo" e "supérfluo" (leia-se: para os meus padrões) ter tido esse efeito em mim, quando um comentário da psicóloga, psicanalista, farmacêutica e perfumista (com ampla experiência no setor de cosméticos) Ana Volpe me deu uma luz (siga a gente por lá também @aninhavolpe e @silviaruizmanga). Meu bem-estar pode ter relação com um efeito conhecido como lipstick effect, ou efeito batom.
Trata-se de um fenômeno há tempos estudado por economistas, psicólogos e antropólogos: em tempos de crise, a venda de cosméticos em geral costuma crescer. Principalmente dos chamados produtos de entrada, mais baratos, como batons.
O herdeiro da gigante de cosméticos Estée Lauder, Leonard Lauder, até criou o termo Índice Batom em 2001, uma espécie de termômetro da economia. Na época, mesmo depois da crise pós-bolha da internet e do atentado terrorista das Torres Gêmeas, a venda de batons da marca dobrou. Em outros momentos, como na Grande Depressão dos anos 30 e na crise econômica mundial de 2008, o setor também viveu crescimentos de vendas. No Brasil, nem se fala. No ano passado, em meio a uma das piores crises do país, o setor cresceu 10% (somos o quarto país do mundo que mais consome cosméticos, aliás).
Psicólogos vêm fazendo vários estudos ao longo dos anos tentando entender o fenômeno. Por que, afinal, as mulheres buscariam esse consumo por algo aparentemente frívolo e não essencial, em períodos tão difíceis?
Um desses estudos da chamada psicologia evolutiva defende que o comportamento tem a ver com nosso lado mais "animal" e não tem nada de futilidade nisso. Nesse sentido, em momentos de ameaça à humanidade, as mulheres teriam o desejo de ficar mais atraentes para atrair parceiros em busca de procriação. "Esses períodos acionam um mecanismo que é muito primitivo da preservação da espécie", diz Ana. "Esse mecanismo também existe nas flores, com o perfume, e nos bichos." Mas não é só isso.
"Eu costumo dizer que esse assunto não é perfumaria. Está muito além da questão do mercado. Quando a gente se sente ameaçado, com medo, como neste período da quarentena, a tendência é recorrer a algo que possa nos ajudar no curto prazo. A pessoa que de repente se sente defasada, sem saber o que vai ser da profissão, do futuro, lança mão de algo mais rápido que traz um efeito imediato. E, nesse sentido, a imagem tem um papel poderoso", diz a psicóloga.
"Ela toca na autoestima. A imagem é uma construção primitiva, vem antes do discurso. A maquiagem, ou outras coisas como pintar o cabelo ou fazer uma tatuagem, são expressões de comunicação. Nós usamos esses recursos de imagem para nos conectar com os outros."
Eu confesso que estava me questionando no meu dia de "make na quarentena", pensando se esse tipo de "vaidade" caberia no momento em que estamos passando, com tantas coisas ruim acontecendo. Mas depois desse papo com a Ana entendi que esse processo é humano, é natural. Em meio aos sentimentos ruins, talvez um ritual de passar um creme, um batom, um blush, pode ter um efeito de autoamor, de autocuidado que nos traz um pouco de conforto. Não precisa se sentir errada ou fútil por isso, está tudo bem.
Me lembrei também de uma história interessante que ouvi do dentista Fábio Bibancos, criador da Turma do Bem, ONG que reúne uma rede de dentistas que oferece tratamento dentário gratuito e devolve o sorriso para mulheres que perderam os dentes em situações de violência.
Ele me disse: "A primeira coisa que essas mulheres fazem quando terminam o tratamento é comprar um batom. É como se esse fosse o símbolo do renascimento delas." Por isso, não julgue antecipadamente que é sobre vaidade estar maquiada dentro de casa, ainda que estiver sozinha. Existe algo a mais por trás disso. Não é fazer pouco caso da tragédia. É uma tentativa de resiliência.
Sobre Autora
Silvia Ruiz é jornalista e trabalha com comunicação digital e PR. Durante mais de 15 anos atuou na cobertura de saúde, bem-estar e estilo de vida. É apaixonada por alimentação natural, meditação e práticas holísticas. Mãe do Tom, do Gabriel e da Myra, tem bem mais de 40 anos e está tentando aprender a viver bem na própria pele em qualquer idade.
Sobre o blog
O que é envelhecer hoje? Este é um espaço com informações para a geração que tem mais de 40 e não abre mão de viver uma vida plena e, principalmente, saudável, independentemente da idade. Aqui não falamos em “anti-aging”, e, sim, em “healthy aging”. Dicas de alimentação, beleza, atividade física, carreira e estilo de vida para quem busca ser “ageless”.